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Acácio de Almeida
— Um Certo Olhar

Fotografia de Rafael Farias

Há anos que andamos a pensar: é preciso dedicar um ciclo a Acácio de Almeida. E chegamos sempre à mesma conclusão: claro que sim! Num país de grandes directores de fotografia para cinema, Acácio de Almeida é um verdadeiro caso de estudo pela longevidade e inovação.

Estamos muito felizes por anunciar que do vistacurta 2023 faz parte um programa dedicado a Acácio de Almeida, responsável pelas imagens de alguns dos principais filmes do Cinema Português. Pensamos, por exemplo, em O Passado e o Presente (1972), de Manoel de Oliveira, Brandos Costumes (1975), de Seixas Santos, Trás-os-Montes (1976), de António Reis e Margarida Cordeiro, e A Cidade Branca (1983), de Alain Tanner.

Acácio de Almeida regressa à sua região — nasceu há 85 anos em Souto, Penedono, e é recebido pelo Cine Clube que assim evoca a singularidade do seu trabalho. Os filmes que se vão projectar dispensam mais verbalizações. Muito obrigado, Acácio. Devemos-te muito.

O programa inclui longas-metragens com a sua direcção de imagem.




Perceber o critério do Acácio de Almeida para escolher os projectos que integra, olhando os mais de 100 filmes no currículo, é um desafio...
Sim, houve um critério de escolha que tem a ver com a minha sensibilidade, aquilo que gosto, o que é que o realizador me diz, o que me dizem os projectos que ele faz e qual o universo em que está inscrito...

E é importante ter tudo detalhado, pelo realizador, ou aceita uma ideia...
Não, pelo contrário, quanto menos detalhado estiver mais livre sou de escolher [risos]. Aquilo que já está escolhido previamente tem maior dificuldade em ser contextualizado de outra forma. O que ainda está numa intenção é susceptível de se adaptar mais facilmente.

O trabalhar sem projecto fechado à partida, permitir um trabalho colectivo, na fotografia, som, interpretação, é uma herança que vem do cinema novo?
Sim, um dos primeiros que fiz, Sete Balas para Selma, do António Macedo, uma espécie de remake do 007 da altura, sem meios, tentando subverter esse lado tecnológico e de grandes meios que o Bond tinha, para coisas mais artesanais. Enfim, nem sempre se descobriu o humor nisso, e resultou num filme pobre. Hoje, passado todo o tempo ressalta alguma coisa, não envelheceu e tornou-se um objecto de culto. A seguir fiz O Cerco. Foi outra aventura, não havia nada, havia uma ideia, um realizador falido, traumatizado. Havia um guião, relativamente bem estruturado. Só que não havia dinheiro. Havia uma actriz que era a secretária dele, a Maria Cabral, havia um director de fotografia que era eu, tinha feito poucas coisas com António da Cunha Telles, o único automóvel que tínhamos era um mini, que era simultaneamente o carro para ir buscar a actriz, para transportar os materiais, para ir ao laboratório.

Esse é um dos filmes em que parece que os realizadores, actores, equipa, apesar de todas as dificuldades, vivem o momento certo para fazer o filme certo, quase um estado de graça. Talvez como em O Passado e o Presente ou Os Mutantes.
Sem dúvida. No O Passado e o Presente foi uma dádiva. Aí está, desde cedo, com problemas vários na rodagem, percebi que não podia levar tudo definido, senão no acto de filmar.

Tem várias casos de filmes únicos.
Não há muitos estados de graça, mas quando acontece digo, ”É, estamos nisso, vamos aproveitar”. É importante estar receptivo a isso e senti-lo, se não não integra. O estado de graça é qualquer coisa que está a nosso favor, o fluxo de energia que circula, que é necessário agarrar.

Nunca parou, recomeçar a cada filme é o seu desafio particular no cinema. E leva pouco passado consigo.
Sim, tanto assim que não fico com nada. Cada vez que preciso de uma fotografia minha tenho de pedir a alguém. Não tenho esse culto de guardar. Mesmo do ponto de vista da concepção eu nunca leio um guião quando estou a rodar um filme. Nunca. Recebia os guiões, deixava-os estar, quando terminada a rodagem é que os lia. Se eu estivesse a trabalhar não lia nenhum guião, justamente para não ter dois pensamentos durante a filmagem. Depois quando lia, lia superficialmente para poder apagar. Se o filme se fizesse voltava a ler, se não, ficava agarrado a projectos que não terminam. E são traumas.

A ideia de estar completamente disponível para o filme que tem de fazer é para si crucial.
Eu tive momentos de filmagens em locais onde filmei três vezes, com realizadores diferentes. E são locais diferentes. E eu nunca contei ao realizador que já filmei ali. Cada plano é um acto próprio que diz respeito a um filme e diz respeito ao momento que está acontecer. O que aconteceu antes já é passado. E procuro em cada momento estar, com o realizador, sentir os actores, sentir o espaço, a luz, e estar disponível para olhar. Por vezes a gente olha mas não vê, aquilo que emana daquele momento. Esse grau de concentração e disponibilidade é importante.

Voltando ao estado de graça...
É necessário respeitar essa religiosidade do momento. Às vezes acontece isso, e na Teresa Villaverde acontece isso, como no Campos, e no Reis também. No filme do Leonel Vieira também. O cinema é isso, uma alquimia de circunstância de objectos, pessoas, eventos, que se procuram harmonizar num objectivo comum que é contar uma história, do realizador. Se ela é forte e motiva todas as pessoas há um acompanhamento mais forte, se não galvaniza as pessoas, fazem o seu trabalho, estão lá, e basta. Se há um lado mais profundo, é mais nosso e estamos mais disponíveis para dar o que é necessário dar naquele momento. É importante não ser só profissional. Digo que sou um amador profissional porque continuo a ter a mesma ligação afectiva muito grande com as coisas e procurar sentir.

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Entrevista a Acácio de Almeida por Rodrigo Francisco,
Argumento 158, Julho 2018.


11 QUARTA 21h00 • IPDJ

À Flor do Mar
de João César Monteiro, 1986. 143'

Imediatamente anterior a Recordações da Casa Amarela, À Flor do Mar marca o fim da primeira fase da obra de João César Monteiro. Uma estranha intriga que traz a uma praia algarvia um homem ferido chamado Robert Jordan (nome que é de imediato uma citação literária e cinéfila), a seguir a um atentado de que é alvo um dirigente palestiniano num hotel do Algarve, é recolhido por uma viúva italiana chamada Laura Rossellini. Um filme de luz mediterrânica e música clássica. Belíssimo.

José Manuel Costa, director da Cinemateca Portuguesa, apresenta a sessão

14 SÁBADO 17h00 • IPDJ

Máscaras
de Noémia Delgado, 1976. 115'

Filmado entre o Natal de 1974 e a Quarta-Feira de Cinzas de 1975, o filme de Noémia Delgado desempenhou um papel fundamental na recuperação e revitalização das tradições das “terras de feição ainda arcaizante do Nordeste Trasmontano”, como introduz a voz de Alexandre O’Neill. Entre a presença de dois antropólogos como consultores, e a aposta na recriação, Máscaras aponta para os pressupostos de um cinema não inocente, que transforma positivamente o que filma.

Melanie Pereira, realizadora, apresenta a sessão

26 QUINTA 21h00 • IPDJ

Trás-os-Montes
de António Reis e Margarida Cordeiro, 1976. 111'

Juntos, António Reis e Margarida Cordeiro assinaram uma das mais singulares obras do cinema português, construída nos anos 1970/80 em Trás-os-Montes, "Ana" e "Rosa de Areia": o máximo de originalidade com o máximo de modernidade. Trás-os-Montes, canto de amor a uma região, é também um dos mais poderosos exemplos da capacidade artesanal do cinema português, uma qualidade que o diferencia de outros patrimónios cinematográficos e que conta, aqui, com a fotografia de Acácio de Almeida.